4.19.2011

Terrorismo, Urbs e a resistência possível

Rui Aristides

“If the U.S. is a leading terrorist state, if, as you say, Britain is another example of a terrorist state, how do you distinguish between that kind of what you describe as terrorism and what they are saying “Osama Bin Laden is a terrorist”? Make the distinction.

“That’s very simple. if they do it its terrorism, if we do it its counter-terrorism.”[1]

Será que podemos colocar a distinção entre cidade e cidade-informal ou não-cidade, favela, musseque, nos mesmos termos? Se sim, será que a única justificação dessa distinção assenta na condição política entre império e dissidentes ou haverá algo mais?

A diferença entre polis e urbs.

A polis grega pode ser compreendida a partir da distinção entre politikè e oikonomikè, respectivamente, entre politica e economia. A última, para a sociedade grega, refere-se à oikos ou a casa, a unidade celular privada, oikonomikè é pois a gerência do domínio privado, no seu conjunto de relações despóticas, o homem é o rei da casa.

Politikè, inversamente, é a gerência das relações da esfera pública para o interesse público, é a ferramenta básica de funcionamento da polis, tendo nascido da própria.

Consequentemente, e concordando com Pier Aureli, “The principle of economy can be distinguished from the principle of politics in the same way that the house is distinguished from the polis.”[2]

Por seu lado o termo latim urbs implica, ao contrário da polis, um fazer cidade sem bases politicas, ou seja, uma ideia de cidade que se justifica apenas na estrutura física, essencial à vida, que materializa no território. A ideia de urbs permite-se actuar na condição de tabula rasa, tenha-se em mente as cidades romanas formadas de acampamentos militares. Logo, concordemos que “(…)urbs describes a generic condition of protected cohabitation reducible to the principle of the house and its material necessities.”[3]

À polis e à urbs equivalem, por isso, dois conjuntos distintos de conceitos, respectivamente: cidade delimitada (muralhada), público, estado, politica; cidade expansiva, infra-estrutura, privado, império, simbolismo.

Será necessário explicar este conjunto de conceitos, no entanto, em vez de os explicar um a um, gostaria de os expor a mais uma leitura da diferença entre polis e urbs na tentativa de esclarecer a dialéctica entre polis e urbs.

A lei para os gregos era designada de nomos, não regulava a acção politica por si, mas criava-lhe um enquadramento baseado numa forma espacial concreta, a da polis, e sua divisão entre público e privado; daí a diferença entre Aghora e oikoi.

Para os romanos existia a lex, de onde deriva a palavra lei, e é um conjunto de políticas, de leis, baseadas num consenso político e funcionando como um tratado. Era parte integrante da lógica expansionista romana, pois era através do tratado (lex) que os vários povos derrotados viriam a integrar o império.

Enquanto a nomos era o que limitava e sustinha a polis na sua unidade social e formal, a ideia de lex era precisamente o seu oposto, um conceito genérico e inclusivo que terá sido o que transformou Roma de uma polis para uma civitas, e como tal, para um império[4].

Civitas originou a palavra cidade e urbs derivou para urbanização. Na sua concepção romana, as duas complementavam-se, a primeira definia a condição social e politica para o que designamos hoje de cidadania, a segunda a genérica infra-estrutura necessária para o habitar, que actualmente designamos de urbano.

O que actualmente toma corpo na nossa utilização do território é o exponenciar, por um lado, da contradição entre a ideia de polis (cidade finita e politica) e a ideia de urbs (objecto-infinito); e por outro, a exponencial valorização de uma forma de urbs que parte não de uma gerência da coabitação pela lei (civitas), mas sim, de uma gerência económica, e que propositivamente dá pleno significa à acção de urbanização ( China, Índia, Brasil, Angola, etc…).

A No-Stop City dos Archizoom, mais do que ser uma peça artística forjada em ambientes de extremos e ácidos, uma exuberante ironia da decadência modernista, é acima de tudo uma perfeita previsão do que se veio a suceder com o fazer cidade.

Concordando com Pier Aureli, “No-Stop City ultimately “succeeded” in prophesying a world in which human associations are ruled only by the logic of economy and rendered in terms of diagrams and growth statistics.”[5]

O que se tem vindo a tornar mais claro é que a gerência da cidade caiu definitivamente sobre o domínio da technè oikonomikè, e como tal, tende-se a tratar cidade como oikos, como uma casa, o espaço privado por excelência, gerido despoticamente para o interesse de um pequeno sector da sociedade que a habita.

Nas palavras de Pier Aureli, resumamos a evolução da cidade moderna da seguinte forma:

“If, as stated before, the city began as a dilemma between civitas and urbs, between the possibility of encounter (the possibility of conflict) and the possibility of security, it has ended up as completely absorbed by the infinite process of urbanization and its despotic nature.”[6]

Dado isto, a distinção que Chomsky esclareceu relativamente à questão de quem exerce terrorismo aplica-se à distinção entre cidade e não-cidade. Esta, no fundo, representa a distinção entre aqueles que pertencem ao estado da civitas, os reconhecidos cidadãos da urbanização (império), e aqueles que não lhe pertencem, os dissidentes, os pobres; ou quando pertencem, apenas se lhes permite integrar a urbanização de forma segredada ou secundária. Com maior clareza, é a distinção semelhante à entre os que podiam aceder à Aghora e todos os outros, marginalizados da vida publica e politica da polis.

Não há melhor tipologia para explicar o mapeamento entre cidade e não-cidade que a casa grega, a oikos, na sua clara divisão entre o espaço dos escravos e o dos senhores da casa, está lançada a estrutura urbana, por exemplo, do Rio de Janeiro.

Então, a condição política imperial, de descendência romana talvez, é o contexto em que esta distinção se permite existir. No entanto, a lex deixou de ser política no seu sentido público, o seu derradeiro objectivo já não é a pax romana, observe-se o Iraque, o mais recente e emblemático exemplo de um programa imperial.

A lex e a pax romana foram transformadas no exposto pela personagem de Wagner Moura, Roberto Nascimento, na sequela do Tropa de Elite, na seguinte fala: “Prós políticos não era interessante que morresse logo, antes de depor, eu ia virar mártir dos direitos humanos em plena CPI e o Fraga ia transformar o governador em suspeito de assassinato. Só que o sistema não tem planejamento central nem directoria, parceiro! O sistema é um mecanismo impessoal, uma articulação de interesses escrotos.”

Por implicação civitas, o nível base de pertença política a uma sociedade, a condição de cidadania, peca por se encontrar suprimida de conteúdo; daí a extensiva utilização dessa palavra por sociólogos e políticos contemporâneos, entre outros, na tentativa de esconder ou preencher o vazio.

Consequente e independentemente das unidades políticas que são mantidas, sendo estas identidades sócio-simbólicas[7], actualmente tanto a infra-estrutura de várias sociedades bem como a sua gerência são simultaneamente genéricas, a-politicas e objectivas; e a urbanização é o seu suporte, o derradeiro mecanismo de controlo do território e seus habitantes.

É por isso que podemos observar entre os EUA e a China, dois extremos simbolicamente opostos no imaginário social e politicamente definidos como opostos, o mesmo uso da urbs no seu sentido original enquanto a pré-condição ou a condição infra-estrutural de coabitação. A urbs vem permitir por um lado, integrar todos os ‘cidadãos’ numa civitas simbólica e exercer o seu controlo, e por outro lado, a livre gerência do território pela technè oikonomikè.

Através da urbs todo o lugar é domesticado para a gerência privada da sociedade.

Consequentemente, diria que Chomsky está apenas em parte certo, pois quem define a diferença entre maus e bons não são principalmente os EUA ou o Bloco Ocidental, mas sim, a infra-estrutura, a gerência do mundo como uma casa. Quem é terrorista é pois quem é contra esse despotismo infra-estrutural, é quem é contra a urbs, é quem procura autonomia.

Face a isto, concordo com o que Rahul Srivastava escreve a propósito da luta pela autonomia de direitos dos Kolis no Dharavi, em Mumbai, Índia, que é o seguinte:

At the end of the day the triumph of Koliwada-Dharavi will be a triumph of Dharavi as a whole.”[8]

O que está em jogo nesta luta não é apenas a defesa da qualidade de vida de uma etnia, programa em si infrutífero dada a infra-estrutura dos problemas, mas sim, e mais importante, o esboçar de uma alternativa à pertença na urbz, um projecto de autonomia.

Neste processo purgam-se retóricas, ‘quem é o terrorista?’, ‘quem é cidadão?’, ‘qual é a cidade e qual a não-cidade?’. Invertem-se as dicotomias, por um lado, o terrorista, aquele que exerce terror, é a gerência económica da sociedade através do estado, por outro, o cidadão esfuma-se e todo o vazio da concha da cidadania é exposto, sendo substituído por uma comunidade política que luta por objectivos concretos.

Neste processo exercita-se o abolir da distinção entre cidade e favela, ambas são formas de coabitação e ocupação do território, ambas são cidade, não há ambas, não há uma autêntica diferença entre duas formas de fazer cidade a não ser a produzida qualitativamente pelos que governam o espaço urbano.

Onde este processo dará, o que dele resultará, não sei dizer. Haverá sempre o precipício do falhanço tão definido pelos vários projectos deste género, inaugurados na década de 1970 em várias ‘não-cidades’ da América latina. No entanto, talvez este projecto, o do Koliwada-Dharavi, traga consigo outras lições, talvez um melhor entendimento de como construir um projecto de autonomia na oikos capitalista de hoje em dia.

Se pensarmos na urbs como a pele desse corpo monstruoso[9] que é o capitalismo, então qualquer buraco, ferida, ilha nessa contínua pele inscreverá uma possibilidade de autonomia, a possibilidade de voltar a integrar o político no coabitar.

Incertezas à parte, o certo é que a presente gerência económica do coabitar sempre necessitará de terrorismo.



[1] Entrevista a Noam Chomsky por Evan Solomon, acerca do livro "Hegemony or Survival: America's Quest for Global Dominance". http://www.youtube.com/watch?v=10rTPSSmOFw&feature=related

[2] Pier Vittorio Aureli, “The possibility of an absolute architecture”, MIT 2011, p. 3

[3] Ibid., p.4

[4] Ibid., p 5

[5] Ibid., p. 20

[6] Ibid., p. 27

[7] Proponho que identidade socio-simbolica seja entendida como uma imagem que gera simbolismos, ou seja, uma imagem-ideia que se aporta ao imaginário social de dada sociedade. Descritivamente pode ter uma função semelhante à das imagens-ideias no mapeamento cerebral, não são em si verdades, mas sim sínteses e interpretações de experiências ou coisas às quais pretendemos aceder de forma imediata.

[8] http://dharavi.org/index.php?title=C.Communities_%26_Nagars_of_Dharavi/Koliwada

[9] “This capital-flesh oppresses us, but we are stuck within it. We hate it, but we are also compelled to love it, because we depend upon it for sustenance, and we cannot live without it. Understood according to the order of first causes, sub specie aeternitatis as Spinoza would have it, capital is parasitic upon the labor of the multitude. But existentially and experientially, the situation is rather the reverse: we are parasites on the monstrous body of Capital.”

Paul Shaviro, excerto retirado em: http://www.shaviro.com/Blog/?p=641

Terrorismo, Urbs e a resistência possível

Rui Aristides

“If the U.S. is a leading terrorist state, if, as you say, Britain is another example of a terrorist state, how do you distinguish between that kind of what you describe as terrorism and what they are saying “Osama Bin Laden is a terrorist”? Make the distinction.

“That’s very simple. if they do it its terrorism, if we do it its counter-terrorism.”[1]

Será que podemos colocar a distinção entre cidade e cidade-informal ou não-cidade, favela, musseque, nos mesmos termos? Se sim, será que a única justificação dessa distinção assenta na condição política entre império e dissidentes ou haverá algo mais?

A diferença entre polis e urbs.

A polis grega pode ser compreendida a partir da distinção entre politikè e oikonomikè, respectivamente, entre politica e economia. A última, para a sociedade grega, refere-se à oikos ou a casa, a unidade celular privada, oikonomikè é pois a gerência do domínio privado, no seu conjunto de relações despóticas, o homem é o rei da casa.

Politikè, inversamente, é a gerência das relações da esfera pública para o interesse público, é a ferramenta básica de funcionamento da polis, tendo nascido da própria.

Consequentemente, e concordando com Pier Aureli, “The principle of economy can be distinguished from the principle of politics in the same way that the house is distinguished from the polis.”[2]

Por seu lado o termo latim urbs implica, ao contrário da polis, um fazer cidade sem bases politicas, ou seja, uma ideia de cidade que se justifica apenas na estrutura física, essencial à vida, que materializa no território. A ideia de urbs permite-se actuar na condição de tabula rasa, tenha-se em mente as cidades romanas formadas de acampamentos militares. Logo, concordemos que “(…)urbs describes a generic condition of protected cohabitation reducible to the principle of the house and its material necessities.”[3]

À polis e à urbs equivalem, por isso, dois conjuntos distintos de conceitos, respectivamente: cidade delimitada (muralhada), público, estado, politica; cidade expansiva, infra-estrutura, privado, império, simbolismo.

Será necessário explicar este conjunto de conceitos, no entanto, em vez de os explicar um a um, gostaria de os expor a mais uma leitura da diferença entre polis e urbs na tentativa de esclarecer a dialéctica entre polis e urbs.

A lei para os gregos era designada de nomos, não regulava a acção politica por si, mas criava-lhe um enquadramento baseado numa forma espacial concreta, a da polis, e sua divisão entre público e privado; daí a diferença entre Aghora e oikoi.

Para os romanos existia a lex, de onde deriva a palavra lei, e é um conjunto de políticas, de leis, baseadas num consenso político e funcionando como um tratado. Era parte integrante da lógica expansionista romana, pois era através do tratado (lex) que os vários povos derrotados viriam a integrar o império.

Enquanto a nomos era o que limitava e sustinha a polis na sua unidade social e formal, a ideia de lex era precisamente o seu oposto, um conceito genérico e inclusivo que terá sido o que transformou Roma de uma polis para uma civitas, e como tal, para um império[4].

Civitas originou a palavra cidade e urbs derivou para urbanização. Na sua concepção romana, as duas complementavam-se, a primeira definia a condição social e politica para o que designamos hoje de cidadania, a segunda a genérica infra-estrutura necessária para o habitar, que actualmente designamos de urbano.

O que actualmente toma corpo na nossa utilização do território é o exponenciar, por um lado, da contradição entre a ideia de polis (cidade finita e politica) e a ideia de urbs (objecto-infinito); e por outro, a exponencial valorização de uma forma de urbs que parte não de uma gerência da coabitação pela lei (civitas), mas sim, de uma gerência económica, e que propositivamente dá pleno significa à acção de urbanização ( China, Índia, Brasil, Angola, etc…).

A No-Stop City dos Archizoom, mais do que ser uma peça artística forjada em ambientes de extremos e ácidos, uma exuberante ironia da decadência modernista, é acima de tudo uma perfeita previsão do que se veio a suceder com o fazer cidade.

Concordando com Pier Aureli, “No-Stop City ultimately “succeeded” in prophesying a world in which human associations are ruled only by the logic of economy and rendered in terms of diagrams and growth statistics.”[5]

O que se tem vindo a tornar mais claro é que a gerência da cidade caiu definitivamente sobre o domínio da technè oikonomikè, e como tal, tende-se a tratar cidade como oikos, como uma casa, o espaço privado por excelência, gerido despoticamente para o interesse de um pequeno sector da sociedade que a habita.

Nas palavras de Pier Aureli, resumamos a evolução da cidade moderna da seguinte forma:

“If, as stated before, the city began as a dilemma between civitas and urbs, between the possibility of encounter (the possibility of conflict) and the possibility of security, it has ended up as completely absorbed by the infinite process of urbanization and its despotic nature.”[6]

Dado isto, a distinção que Chomsky esclareceu relativamente à questão de quem exerce terrorismo aplica-se à distinção entre cidade e não-cidade. Esta, no fundo, representa a distinção entre aqueles que pertencem ao estado da civitas, os reconhecidos cidadãos da urbanização (império), e aqueles que não lhe pertencem, os dissidentes, os pobres; ou quando pertencem, apenas se lhes permite integrar a urbanização de forma segredada ou secundária. Com maior clareza, é a distinção semelhante à entre os que podiam aceder à Aghora e todos os outros, marginalizados da vida publica e politica da polis.

Não há melhor tipologia para explicar o mapeamento entre cidade e não-cidade que a casa grega, a oikos, na sua clara divisão entre o espaço dos escravos e o dos senhores da casa, está lançada a estrutura urbana, por exemplo, do Rio de Janeiro.

Então, a condição política imperial, de descendência romana talvez, é o contexto em que esta distinção se permite existir. No entanto, a lex deixou de ser política no seu sentido público, o seu derradeiro objectivo já não é a pax romana, observe-se o Iraque, o mais recente e emblemático exemplo de um programa imperial.

A lex e a pax romana foram transformadas no exposto pela personagem de Wagner Moura, Roberto Nascimento, na sequela do Tropa de Elite, na seguinte fala: “Prós políticos não era interessante que morresse logo, antes de depor, eu ia virar mártir dos direitos humanos em plena CPI e o Fraga ia transformar o governador em suspeito de assassinato. Só que o sistema não tem planejamento central nem directoria, parceiro! O sistema é um mecanismo impessoal, uma articulação de interesses escrotos.”

Por implicação civitas, o nível base de pertença política a uma sociedade, a condição de cidadania, peca por se encontrar suprimida de conteúdo; daí a extensiva utilização dessa palavra por sociólogos e políticos contemporâneos, entre outros, na tentativa de esconder ou preencher o vazio.

Consequente e independentemente das unidades políticas que são mantidas, sendo estas identidades sócio-simbólicas[7], actualmente tanto a infra-estrutura de várias sociedades bem como a sua gerência são simultaneamente genéricas, a-politicas e objectivas; e a urbanização é o seu suporte, o derradeiro mecanismo de controlo do território e seus habitantes.

É por isso que podemos observar entre os EUA e a China, dois extremos simbolicamente opostos no imaginário social e politicamente definidos como opostos, o mesmo uso da urbs no seu sentido original enquanto a pré-condição ou a condição infra-estrutural de coabitação. A urbs vem permitir por um lado, integrar todos os ‘cidadãos’ numa civitas simbólica e exercer o seu controlo, e por outro lado, a livre gerência do território pela technè oikonomikè.

Através da urbs todo o lugar é domesticado para a gerência privada da sociedade.

Consequentemente, diria que Chomsky está apenas em parte certo, pois quem define a diferença entre maus e bons não são principalmente os EUA ou o Bloco Ocidental, mas sim, a infra-estrutura, a gerência do mundo como uma casa. Quem é terrorista é pois quem é contra esse despotismo infra-estrutural, é quem é contra a urbs, é quem procura autonomia.

Face a isto, concordo com o que Rahul Srivastava escreve a propósito da luta pela autonomia de direitos dos Kolis no Dharavi, em Mumbai, Índia, que é o seguinte:

At the end of the day the triumph of Koliwada-Dharavi will be a triumph of Dharavi as a whole.”[8]

O que está em jogo nesta luta não é apenas a defesa da qualidade de vida de uma etnia, programa em si infrutífero dada a infra-estrutura dos problemas, mas sim, e mais importante, o esboçar de uma alternativa à pertença na urbz, um projecto de autonomia.

Neste processo purgam-se retóricas, ‘quem é o terrorista?’, ‘quem é cidadão?’, ‘qual é a cidade e qual a não-cidade?’. Invertem-se as dicotomias, por um lado, o terrorista, aquele que exerce terror, é a gerência económica da sociedade através do estado, por outro, o cidadão esfuma-se e todo o vazio da concha da cidadania é exposto, sendo substituído por uma comunidade política que luta por objectivos concretos.

Neste processo exercita-se o abolir da distinção entre cidade e favela, ambas são formas de coabitação e ocupação do território, ambas são cidade, não há ambas, não há uma autêntica diferença entre duas formas de fazer cidade a não ser a produzida qualitativamente pelos que governam o espaço urbano.

Onde este processo dará, o que dele resultará, não sei dizer. Haverá sempre o precipício do falhanço tão definido pelos vários projectos deste género, inaugurados na década de 1970 em várias ‘não-cidades’ da América latina. No entanto, talvez este projecto, o do Koliwada-Dharavi, traga consigo outras lições, talvez um melhor entendimento de como construir um projecto de autonomia na oikos capitalista de hoje em dia.

Se pensarmos na urbs como a pele desse corpo monstruoso[9] que é o capitalismo, então qualquer buraco, ferida, ilha nessa contínua pele inscreverá uma possibilidade de autonomia, a possibilidade de voltar a integrar o político no coabitar.

Incertezas à parte, o certo é que a presente gerência económica do coabitar sempre necessitará de terrorismo.



[1] Entrevista a Noam Chomsky por Evan Solomon, acerca do livro "Hegemony or Survival: America's Quest for Global Dominance". http://www.youtube.com/watch?v=10rTPSSmOFw&feature=related

[2] Pier Vittorio Aureli, “The possibility of an absolute architecture”, MIT 2011, p. 3

[3] Ibid., p.4

[4] Ibid., p 5

[5] Ibid., p. 20

[6] Ibid., p. 27

[7] Proponho que identidade socio-simbolica seja entendida como uma imagem que gera simbolismos, ou seja, uma imagem-ideia que se aporta ao imaginário social de dada sociedade. Descritivamente pode ter uma função semelhante à das imagens-ideias no mapeamento cerebral, não são em si verdades, mas sim sínteses e interpretações de experiências ou coisas às quais pretendemos aceder de forma imediata.

[8] http://dharavi.org/index.php?title=C.Communities_%26_Nagars_of_Dharavi/Koliwada

[9] “This capital-flesh oppresses us, but we are stuck within it. We hate it, but we are also compelled to love it, because we depend upon it for sustenance, and we cannot live without it. Understood according to the order of first causes, sub specie aeternitatis as Spinoza would have it, capital is parasitic upon the labor of the multitude. But existentially and experientially, the situation is rather the reverse: we are parasites on the monstrous body of Capital.”

Paul Shaviro, excerto retirado em: http://www.shaviro.com/Blog/?p=641

Mercado das Artes 2011




O Mercado das Artes é um evento organizado pela CAL - Comunidade Artística Limana, que ocorre durante o fim-de-semana de 3 a 5 de Junho de 2011, nas instalações do Mercado Municipal de Ponte de Lima. O espaço, cedido pela Câmara Municipal de Ponte de Lima, é palco de uma série de actividades que englobam as diversas áreas das artes.

Este evento tem como principal meta a divulgação de trabalhos de artistas na área da música, artes plásticas, teatro, fotografia, dança, artesanato, literatura, design, etc, num espaço composto por várias lojas e um espaço ao ar livre, privilegiando a exposição e a promoção de criações artísticas.



http://www.cal4990.com




Depois de algum tempo adormecidos por estes lados, mas bastante despertos por outros, eis que ressurge, qual fénix renascida, mais um esquiço no escuro. Porque esta história será interminável!


“Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos. Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.”
Alberto Caeiro

10.22.2007

No caderno que vinha na mala

Acordo ao som da chamada para a oração, que rapidamente descubro já não ser a primeira nem a segunda chamada. Este é, dizem-me, o único relógio que conta por cá. Olho para o relógio ocidental que trago comigo, uma espécie de teimosia cultural, e já é meio-dia, a hora da terceira oração, o que traduz doze horas de sono reconfortante, fruto da longa e cansativa viagem que nos trouxe de Portugal até Chefchauen em transportes públicos e que começara cerca de 36 horas. Do trajecto já se guardam algumas imagens arrebatadoras como o nascer do dia na transladada Vila Real de Santo António, ou o atravessamento a pé da fronteira Ceuta-Marrocos. Lá, em 500 metros fomos sugados por Africa. Pela primeira vez na vida compreendi o porquê dos autores de viagem darem tanto ênfase às estórias passadas nos atravessamentos de fronteiras. Lá, em 500 metros fomos invadidos na privacidade pelos marroquinos, no nariz pelo cheiro que dizem característico de Africa, nos olhos pelas cores berrantes com que tudo se pinta. De repente, em 500 metros tudo muda, os paradigmas, as crenças, o way of life, as relações e o seu contrário. Sempre fui um céptico do conceito de fronteira, derivado da sua natureza humana, mas há algo que se aprende sobre essa mesma humanidade ao atravessa-la, ao percorre-la a pé, sem artefactos, como se fez durante séculos, sente-se que é naquela artificial linha que se concentram as mudanças e deu-se até o caso de me pôr a pensar que seria muito bom ter uma daquelas linhas de fronteira de civilização, não essas que separam o que está uno, como as da Europa, nas escolas e universidades do meu país.
É no terraço superior da pensão Goa, com vista para toda a vila, encravada numa encosta das montanhas Rif, que recebo esta iniciação a Africa: o cheiro que vem com o vento que escorrega pela montanha abaixo, que se sobrepõe ao cheiro estático da cidade; as casas brancas com porções da sua volumetria pintadas a azul forte, mais umas portas rosa, amarelo, vermelho ou verde, que pintam esta colina construída diante de mim e a fazem transmitir uma alegria difícil de explicar, mas com certeza resultado de mais um passo meu em direcção à Terra, que sinto mais próxima de mim a cada dia que passo em viagem.

4.17.2007

No caderno que vinha na mala

Em Barcelona não se tiram fotografias a preto e branco, mas por vezes, estas obtêm-se. É como se ela fosse a casa do Deus das cores, omnipresente e omnisciente, com infinita ciência do belo, que se exprime na harmonia com que os raios do Sol são lá reflectidos. Barcelona é a preto e branco aqui, a cores mediterrâneas ali, dragões chineses nas ombreiras das portas, ao lado de bancas com chás marroquinos, casas que vendem cerâmica catalã em frente ao quebab, ou aos hambúrgueres. As cores de Barcelona fazem-se de um pouco de tudo o que neste Mundo mexe, não a retalho, mas em síntese. As pessoas em Barcelona entregam-se à criação da cultura global, por soma de todas as partes do mundo que ali coabitam, e que se tentam adaptar a Barcelona pondo tudo aquilo que trazem consigo na mala, ao serviço desta nova forma de lugar, o lugar global.
Se a arte pode ser tudo o que nos faz experiênciar algo transcendente, então esta cidade faz-nos transcender em cada esquina, em cada mercado, em cada bairro, em cada colina, também pelos museus, pelas casas, pelas igrejas, mas principalmente pelo seu "modus vivendi", que não é do Bairro da Grácia, nem da Catalunha, nem de Espanha, nem da Europa, é do Mundo.
Ao fim da tarde, no Porto Velho, tomava um chá e apreciava aquele crepúsculo laranja escuro com castanho claro, e dou por mim a pensar numa frase inscrita na camisola do empregado de mesa que em Português seria "Eu não sou Espanhol, sou Catalão". Talvez um dia, num dialecto universal, fruto da civilização global, a palavra Catalão signifique Cidadão do Mundo.

10.18.2005


Bem, como devem ter observado, o nosso per�odo de f�rias j� ia extenso e n�o ficava muito bem acabar assim.......Ainda h� ventos e mares, mas perdoem-nos este �atrito�...

Luí­s Gomes 2005

7.29.2005

A Gente Vai Continuar

Tira a mão do queixo, não penses mais nisso
O que lá vai já deu o que tinha a dar
Quem ganhou, ganhou e usou-se disso
Quem perdeu há-de ter mais cartas para dar
E enquanto alguns fazem figura
Outros sucumbem à batota
Chega aonde tu quiseres
Mas goza bem a tua rota

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar.




Partí.

7.12.2005

Pink Floyd - Comfortably Numb

Hello?
Is there anybody in there?
Just nod if you can hear me.
Is there anyone home?
Come on, now.
I hear you're feeling down.
Well I can ease your pain,
Get you on your feet again.
Relax.
I need some information first.
Just the basic facts,
Can you show me where it hurts?
There is no pain, you are receding.
A distant ship's smoke on the horizon.
You are only coming through in waves.
Your lips move but I can't hear what you're sayin'.
When I was a child I had a fever.
My hands felt just like two balloons.
Now I got that feeling once again.
I can't explain, you would not understand.
This is not how I am.
I have become comfortably numb.
Ok.
Just a little pinprick.
There'll be no more ...Aaaaaahhhhh!
But you may feel a little sick.
Can you stand up?
I do believe it's working. Good.
That'll keep you going for the show.
Come on it's time to go.
There is no pain, you are receding.
A distant ship's smoke on the horizon.
You are only coming through in waves.
Your lips move but I can't hear what you're sayin'.
When I was a child I caught a fleeting glimpse,
Out of the corner of my eye.
I turned to look but it was gone.
I cannot put my finger on it now.
The child is grown, the dream is gone.
I have become comfortably numb.

6.06.2005


Veneza...as palavras faltam...o jantar acabou, sa�, sentei-me ali, � frente do hostel, senti e desenhei...as palavras continuam a faltar...
Lu�s Gomes 2005

Veneza....
Lu�s Gomes 2005

5.06.2005


"Light is the measure of everything. It is absolute, mathematical, physical, eternal. There is an absolute speed to it, you can't outrun it; that's what the theory of relativity is about. Stand here and remember what you can. What you remember is in light, the rest is in darkness, isn't it? The past fades to dark, and the future is unknown, just stars."
Daniel Libeskind

5.03.2005


Bem, esta é outra das experiências do semestre passado...em primeira mão.
Faz pensar a diferença...Coimbra/Aachen


5.01.2005

Tentando aprender

Cheguei de Amesterdão, donde assisti à festa de Sua Majestade, a Rainha de Orange. Milhões de pessoas a festejar, tudo doido, delírio talvez seja o substantivo. Não entendi ainda o alcance, mas o que me vem à memória é uma jovem, vinte e cinco, vinte e seis anos, que transportava um pedaço de cartão onde em letra manuscrita afirmava: Jesus loves you.
Por que raio é que isto não me sai da cabeça...

4.22.2005


"AktZeichnen"...chá, bolachas e desenhar..lol. Foi uma das nossas experiências deste semestre passado...
Luí­s Gomes 2005

4.16.2005


Interrail(Copenhaga)...ja estou com saudades...
Luí­s Gomes 2005

3.31.2005


Interrail(Kolding)...não posso deixar de agradecer à população de Kolding e, em particular, à sua caixa de multibanco pela "agradável" noite que nos providenciou...Obrigado
Luí­s Gomes 2005

Interrail(Berlim)...bem, ja tinha a t-shirt, faltava o desenho do "nosso" Bar (novas tecnologias, espero que gostem)...
Luí­s Gomes 2005

3.30.2005

Ainda que em Amsterdam...

Brumes et pluies

Ô fins d'automne, hivers, printemps trempés de boue,
Endormeuses saisons ! je vous aime et vous loue
D'envelopper ainsi mon coeur et mon cerveau
D'un linceul vaporeux et d'un vague tombeau.

Dans cette grande plaine où l'autan froid se joue,
Où par les longues nuits la girouette s'enroue,
Mon âme mieux qu'au temps du tiède renouveau
Ouvrira largement ses ailes de corbeau.

Rien n'est plus doux au coeur plein de choses funèbres,
Et sur qui dès longtemps descendent les frimas,
Ô blafardes saisons, reines de nos climats,

Que l'aspect permanent de vos pâles ténèbres,
- Si ce n'est, par un soir sans lune, deux à deux,
D'endormir la douleur sur un lit hasardeux.

(Baudelaire)

3.11.2005


Berlim...2005
Luís Gomes 2005

Daniel Libeskind on Bauhaus heritage

Gods were toppled, orders broken, walls smashed, the center removed....Daniel Libeskind

And architecture becomes living poetry...
And architecture becomes living poetry....

Afirma Pereira

Só a noção que ainda não tenho do que acabarei por existir me fez escrever.
Acabei de ler o "Afirma Pereira". Sei que pode não fazer muito sentido, mas quero, assim, dizer que é um grande livro. Já sei que se costuma dizer outras coisas, suplementares ou inequivocas, amar é do pouco que consigo dizer sobre este livro, um grande livro.
Agora sim, entendi porque o meu pai andou ao lado da resistencia contra o regime, mas a coisa do grande livro vem quando eu, para entender isto necessito de um escritor de Itália, que esteve por lá...
A importancia q´isto tem é apenas a que 280 páginas têm na vida de um homem... 4 horas... é pouco, mas... é o suficiente para termos aquilo que meu pai nunca me passou, nunca me quis passar... para ele porventura era melhor assim, como está.
Para mim é estranho, falar e não dizer, ouvir e não escutar... desabafos...

3.10.2005

Continuo em aproximação ao Fernando Pessoa

Haja ou não deuses, deles somos servos

Deus é o existirmos e isto não ser tudo

A beleza de um corpo nu só a sentem as raças vestidas. O pudor vale sobretudo para a sensibilidade como o obstáculo para a energia

O perfeito não se manifesta. O santo chora, e é humano. Deus está calado. Por isso podemos amar o santo mas não podemos amar a Deus

Quanto mais diferente de mim alguém é, mais real me parece, porque menos depende da minha subjectividade

De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos

A renúncia é a libertação. Não querer é poder

O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela

In "Livro do Desassossego"

3.09.2005

And so it begins...

"Architecture is the will of the age encapsulated within space. Vivacious. Alternating. New. "

Mies Van der Rohe

3.06.2005

Pensamento

A minha alma
É cinza da minha imaginação,
E eu deixo cair a cinza
No cinzeiro da razão.

Fernando Pessoa

Primeira Pit Stop

A estratégia da Jordan, assim como a da maioria é de duas paragens, e no jogo das boxes o Viriato perdeu a posição para o seu companheiro de equipa. Só os minardis é que estão mais lentos, ou mais lento, porque um deles já desistiu. Para já Viriato Monteiro sem erros de condução.

Partida

O Tiago partiu muito bem, ganhando posição ao seu companheiro de equipa, mas os jordan estão muito lentos e ao fim da primeira volta o Tiago estava em 17 e o seu companheiro em 18 a perderem 3 segundos por volta... terão deposito para uma só paragem? Mas que grande arranque do Viriato!

Ao ouvir o D.Quixote do Jorge Palma

lembrei-me desta pérola perdida no meu disco rigido, não sei porquê...

(carta de António Lobo Antunes ao irmão, quando estava na guerra)

Querido Manuel,
Eu estou em Angola. Eu gosto muito de Angola. Eu vim para Angola num barco muito grande, com muitos soldados. Eu vou voltar de avião. Eu vou aí em Setembro. Eu tenho patilhas. Eu tenho cabelo rapado. Eu tenho muitas saudades de todos, tais como da Margarida. Angola é em África. África tem leões, macacos, gazelas, elefantes, pacaças, palancas e muitos pretos. Os pretos tem um cabelo com muitos caracóis e dentes brancos. Os pretos não falam português, falam preto. A gente não percebe os pretos a falar preto. Os pretos às vezes falam português. Os portugueses nunca falam preto. Em Angola há muito calor todo o dia. Eu tenho uma espingarda mas ainda não matei ninguém. Eu visto farda. Farda é um fato igual para todos. Eu como coisas que não gosto de comer mas como porque há muita gente com fome e não devemos desperdiçar. A colher fica em pé na sopa de tal maneira a sopa é grossa. A sopa serve também para pegar tijolos uns aos outros. Há casas que foram feitas graças à sopa. A sopa tem muitas coisas dentro, que a gente tem de mastigar, e às vezes corta-se a sopa com a faca. A sopa é mais dura do que um bife muito duro. As colheres de sopa caiem no estômago da gente com um barulho parecido com pedras a cair num poço. Eu não gosto de sopa. Eu nunca mais como sopa. Já me nasceram dentes na barriga para moer a sopa, e os meus intestinos, a fazerem a digestão da sopa, parecem mesmo um motor de traineira. Quando me sento à mesa e vem a sopa tenho medo porque a sopa parece cimento. Eu estou forrado de sopa por dentro. Quando me assoo sai sopa do nariz. Quando espirro espirro gotinhas de sopa. Outro dia tiraram-me sangue e um talo de couve saiu-me da veia e entupiu a agulha. De vez em quando, quando há feridos, fazem-se transfusões de sopa, e a gente vê o grão e o feijão da sopa a saírem de um para entrarem no outro. Quando há feridas é preciso desinfectar a sopa que sai da ferida. Se se espreme uma borbulha aparecem logo bagos de arroz de sopa. A sopa é o nosso pior inimigo, a espiar a gente do fundo das panelas duas vezes por dia, ao almoço e ao jantar, a sopa ataca-nos. A sopa já fez muitas baixas. Às vezes a sopa traz brindes como os bolos-reis tais como baratas, insectos, borboletas, que morreram envenenados pela sopa. De maneira que a gente vai começar a usar a sopa como remédio para os ratos. Os americanos já nos pediram para a gente mandar sopa para o Vietname, porque os comunistas morrem todos se a comerem. Eu gostava muito de dar sopa à sopa. Eu vou acabar. São horas de comer a minha sopa.
António Lobo Antunes
Vítima nº 07890263 da sopa
Morto no campo de batalha do refeitório com um ataque agudo de sopa

3.05.2005

Acabei por agora de aprender com Saramago. Mais uma vez;

«Um tempo múltiplo. Labiríntico. As histórias das sociedades humanas. Ricardo Reis chega a Lisboa em finais de Dezembro de 1935. Fica até Setembro de 1936. Uma personagem vinda de uma outra ficção, a da heteronímia de Fernando Pessoa. E um movimento inverso, logo a começar: "Aqui onde o mar se acaba e a terra principia"; o virar ao contrário o verso de Camões: "Onde a terra acaba e o mar começa". Em Camões, o movimento é da terra para o mar; no livro de Saramago temos Ricardo Reis a regressar a Portugal por mar. É substituído o movimento épico da partida. Mais uma vez, a história na escrita de Saramago. E as relações entre a vida e a morte. Ricardo Reis chega a Lisboa em finais de Dezembro e Fernando Pessoa morreu a 30 de Novembro. Ricardo Reis visita-o ao cemitério. Um tempo complexo. O fascismo consolida-se em Portugal.» (Diário de Notícias, 9 de Outubro de 1998)